GOVERNO LULA

O capital puxa a faca e o governo ataca sua base - por Gilberto Maringoni

Seria muito bom o governo tratar amigos como amigos e inimigos como inimigos e não vice-versa. Ou seja, atender às justas demandas da Educação e dar um chega pra lá nos empresários que querem liquidar com os pisos constitucionais da Educação e Saúde

Rubens Ometto, dono da Cosan, e professoras em greve.Créditos: Grupo Esfera / Reprodução
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É MUITO INSTRUTIVO SABER o que o grande empresariado anda falando do governo. Um bom exemplo é Rubens Ometto, um dos dez maiores biliardários do país. O doutor literalmente soltou os cachorros em palestra-comício no Fórum Anual do Grupo Esfera, realizado no Guarujá, no sábado (8). Segundo o site Poder 360, Ometto afirmou que o Palácio do Planalto e toda a equipe petista adotam uma estratégia que “desrespeita” o espírito das leis aprovadas pelo Congresso. Em suas palavras, o arcabouço fiscal leva a equipe econômica a “aumentar furiosamente a receita” para gastar mais. “Do jeito que está, com o governo querendo meter a mão, querendo taxar tudo, não dá”. E foi adiante: “Como a gente vai melhorar o nosso país se a autoridade máxima faz tudo para não obedecer às leis?” 

O RESTO DA CANTILENA é conhecido: “O dinheiro na mão da iniciativa privada rende muito mais para o país do que na mão do governo. Quando eles fazem esse aumento de arrecadação eles estão tirando o dinheiro de quem trabalha com eficiência, de quem gera emprego, de quem produz, e passando para o Poder Executivo, que não tem essa habilidade”. Faltou pouco para pedir a cabeça do ministro Fernando Haddad.

APARENTEMENTE, ENTRAMOS NUM DIA DA MARMOTA. Estamos numa conjuntura com alguma semelhança à de 2015/16. Recordemos: depois da presidenta Dilma deixar de lado promessas de campanha - desenvolvimento e emprego -, entregou ao país tarifaço, ajuste, desemprego e recessão, cardápio predileto da alta finança. O governo inexplicavelmente atacara sua base social, o que resultou em abrupta queda na qualidade de vida. Percebendo forte recuo na popularidade oficial, o andar de cima exigiu mais e investiu numa das maiores tradições brasileiras: o golpe. A resistência popular foi pífia.

NO NOVO DIA DA MARMOTA, o Ministério da Fazenda construiu caninamente a política fiscal que a Faria Lima exigiu e avança para quebrar as conquistas sociais da Constituição de 1988. Se isso acontecer, o retrocesso político e social do país será tremendo. Ometto rema nessa direção.

ESPERA-SE que o Executivo responda a altura os desaforos do proprietário de um império de açúcar e álcool e concessionário da Comgás privatizada. É grande doador para campanhas de Lula e de Bolsonaro. A fórmula de Ometto implica novamente queda abrupta da qualidade de vida para as maiorias e mais uma rodada de concentração de renda.

QUIS O DESTINO que a intervenção do magano ocorresse dois dias antes de outro destacado evento. Nesta segunda (10), foram chamados ao Palácio reitores de Universidade e Institutos Federais, para importantes comunicados. Alguns membros de altos escalões desfiaram números e mais números aos olhos do distinto público, para mostrar que tudo vai bem, Madame La Marquise. Só o que não vai bem é o fato de professores e professoras fazerem uma inexplicável greve por reajuste salarial e recomposições orçamentárias. A numeralha espargida ao vento pelo excelentíssimo Ministro da área não explica, mas impressiona, como devem ser sempre os bons discursos oficiais. Por trás de tudo, está o novo arcabouço fiscal a estrangular contas públicas em favor da especulação financeira.

NÃO FOSSEM AS INTERVENÇÕES altivas e corajosa de Marcia Abrahão, reitora da UnB e presidenta da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), e de Elias de Pádua Monteiro, reitor do Instituto Federal de Goiás e presidente da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (Conif), a manhã ensolarada na Capital Federal passaria em brancas nuvens. Foram as únicas alocuções sérias proferidas na ocasião. Mostraram as carências, falta de verbas e defasagens salariais de professores. 

ONDE ESTÁ A CONFLUÊNCIA entre os dois acontecimentos, o do Grupo Esfera e o do Palácio? Está no tratamento que seus integrantes merecem do poder oficial. O doutor Ometto integra a turma que apoiou tenazmente a retirada da presidenta Dilma do governo. Os convidados ao Palácio não apenas representam parte da base social do governo, mas um ambiente - a Universidade - fundamental para a formulação de um novo projeto de país. 

Seria muito bom o governo tratar amigos como amigos e inimigos como inimigos e não vice-versa. Ou seja, atender às justas demandas da Educação e dar um chega pra lá no doutor Ometto. Não são grandes as esperanças de isso ocorrer, mas vale sublinhar que Dia da Marmota, nos dias que correm, não é bom negócio.

P.S. Professores e professoras das Universidades e Institutos federais estão em greve há 60 dias. Os salários têm defasagens que chegam a 35% e os orçamentos das Universidades estão – em termos reais – menores que os de 2017. São necessários R$ 2,5 bilhões para fechar o ano. O governo oferece zero de reajuste salarial neste ano, 9% em 2025 e 3,5% em 2026. Os professores pedem 3,6%, 9,% e 5,5%. Na recomposição, o governo, na prática propõe R$ 279 milhões. Os reajustes está abaixo do que policiais federais receberam (27%). No evento no Planalto, o governo juntou propostas feitas em 2023 e as exibiu como novas, na expansão da rede.