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Ditadura Militar e a face racista – Por Professor Josemar

Vale aqui fazer uma observação de que o tempo não se incumbiu de reduzir as incursões militarizadas nas comunidades cariocas

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A Ditadura Militar, período de violência ancorado em um cruel sistema repressor, com o apoio de parte do empresariado, não pode ficar desbotada na memória da população. Assim como é fundamental constar dos relatos desses anos tenebrosos o fato de intelectuais negros e de lideranças do movimento pela igualdade racial terem sido perseguidos pelas forças da repressão. Um regime que também compactuou com o lado racista da história brasileira.

O sistema militar apontou sua lupa para pessoas que se mobilizavam em defesa do movimento negro, no final da primeira década da ditadura, no momento mais sombrio intitulado "Anos de Chumbo". Mesmo assim, os grupos organizados fundaram o Movimento Negro Unificado (MNU), em 1978, que imprimiu novas estratégias de combate ao racismo.

Naqueles anos, houve vários episódios, muitos dos quais com fotografias em jornais, que atingiam diretamente essa população. Um dos ápices da violência racista foi o caso do homem morto por policiais após ter roubado uma fruta teve forte repercussão. Em outras ocasiões no regime autoritário, jovens negros apareceram em fotografias algemados ou amarrados em ruas próximas a favelas; e muitos registros davam conta de situações em que pessoas negras eram retiradas a força de ônibus em revistas frequentes. 

Ao mesmo tempo, as remoções de favelas cariocas reforçavam a ideia do racismo disseminada pela linha dura militar. Aproximadamente 120 mil pessoas tiveram que abandonar suas casas, inclusive com o apoio do DOPS. As justificativas escancaravam o preconceito ao vincular a pobreza das favelas a criminosos para afastar, em grande maioria, os negros dos centros urbanos.     

Vale aqui fazer uma observação de que o tempo não se incumbiu de reduzir as incursões militarizadas nas comunidades cariocas. Todos lembram que, entre 2014 e 2015, as Forças Armadas se instalaram no Conjunto de Favelas da Maré com o nome de GLO (Garantia de Lei e Ordem), quando moradores denunciaram abusos dos agentes.

Recentemente, ocorreu um triste fato expondo essa relação do racismo e o horror dos agentes de segurança. A violência atingiu o menino João Pedro Pinto, morto dentro de casa, no ano de 2020, durante operação policial em uma comunidade de São Gonçalo.  Em sua memória, o nosso mandato propôs a lei nº 10.298/24, aprovada há poucos meses, criando o Dia de Luta Jovem Preto Vivo, um dia para organizar atividades direcionadas à importância de estarmos juntos para exigir o fim do genocídio de adolescentes e jovens de favelas e periferias.  

A ditadura também atacou a área da cultura negra, com perseguição em plena década de 70 a jovens negros ligados ao movimento Black Rio e aos bailes soul da cidade, sob a alegação de ameaçarem a segurança nacional. Dom Filó, um personagem importante por organizar a música negra naquela época - que já recebeu do nosso mandato o Diploma Zumbi dos Palmares - foi preso por acusação de influenciar conflitos locais.

No meio intelectual, escritores e professores universitários, como Abdias do Nascimento e Joel Rufino dos Santos, foram conduzidos para presídios e amargaram anos de exílio. Abdias foi fundador do Teatro Experimental do Negro (TEN) ao lado de Alberto Guerreiro Ramos, que também se exilou do país.

Vimos que o ativismo e a mobilização dos grupos que atuavam contra o racismo e a discriminação racial não recuaram nos anos do autoritarismo e repressão. A resistência era da mesma maneira aguerrida por parte das mulheres negras, quando surgiram grandes lideranças, entre elas Lélia Gonzalez e e Maria Beatriz Nascimento.

Há uma certeza de que a luta pela nossa democracia precisa ser permanente. A igualdade e a inclusão são características da democracia, portanto, é nosso dever reconhecer que não existe democracia sem o fim das remoções, das chacinas, dos autos de resistência e das mortes de crianças e jovens nas comunidades, e sem o enfrentamento ao sistema judiciário que encarcera a população negra.

Mês passado, fez 60 anos de golpe civil-militar no Brasil. Temos que escrever, debater, falar em sala de aulas e criar ações que conscientizem todos os brasileiros dos horrores vividos por 21 anos no país. E mostrar a terrível face do racismo na ditadura, assim como sua extensão até os dias de hoje. Desta maneira, poderemos ter a esperança de que a nossa realidade no futuro será diferente e respeitosa.

*Professor Josemar (PSOL) é deputado estadual no Rio de Janeiro e presidente da Comissão de Combate às Discriminações da Alerj.

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.