RESISTÊNCIA

Violência doméstica no Rio traz dados alarmantes - Por Renata Lira

Segundo a Policia Civil foram concedidas, no primeiro semestre de 2023, 14 mil medidas protetivas em um total de 16 mil ocorrências de violência doméstica.

Renata Lira.Créditos: Reprodução
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Mais um março, mais um 8M que nós mulheres vamos às ruas por nada menos que as nossas vidas. Pelo direito de sermos quem somos, sem medo, sem culpa, sem precisar de permissões ou condescendências. Contudo, segue sendo difícil para nós mulheres, sobretudo nós mulheres negras, seguir de pé.

De tantas as vezes que já fui assediada, a última ocorreu em uma pequena padaria, eu estava sentada no balcão comendo uma fatia de pizza e tomando um café, troquei duas palavras com um senhorzinho que estava do meu lado, ele foi gentil, eu fui educada. Quando ele se levantou para sair, colocou a mão na minha perna, tomei um susto, será que ele precisava se apoiar em alguma coisa e se apoiou em mim? Mas ele continuou, o espaço entre nós era bem pequeno, ele tirou a mão da minha perna e passou pelas minhas costas como se quisesse me despir, eu paralisei, não acreditei, eu, com longa trajetória na luta por direitos humanos e por direitos das mulheres, estava ali, paralisada diante do assédio.

A minha reação não foi diferente de tantos relatos que pude ouvir nos últimos anos na assessoria da Mandata Renata Souza. Seja por violência doméstica, psicológica ou pelo assédio sexual, nós mulheres, na maioria das vezes, paralisamos, desacreditamos sobre o que vivemos e pior, somos desacreditadas.

A violência contra as mulheres, em especial as mulheres negras, decorre de uma sociedade estruturalmente machista e racista, arraigada em relações patriarcais, nas quais os homens são os mais privilegiados, principalmente homens, brancos, cisgênero e heterossexuais. A cultura do ódio e da misoginia foi terreno fértil para o desmonte de políticas públicas para mulheres durante o governo Bolsonaro, que desrespeitou os princípios da transversalidade, a interseccionalidade e a participação social, ademais da grave diminuição do orçamento previsto para estas políticas.

Segundo a Polícia Civil do estado do Rio de Janeiro, no primeiro semestre de 2023, foram concedidas 14 mil medidas protetivas em um total de 16 mil ocorrências de violência doméstica. E não esqueçamos das subnotificações, nem sempre os casos são registrados pela Lei Maria da Penha, mas como lesão corporal, ameaça e injúria, mesmo quando, na verdade, foram ocorrências caracterizadas como violência doméstica.

O estado do Rio de Janeiro é o único no Brasil que possui uma Sala Lilás em sua Assembleia Legislativa, um lugar onde mulheres podem ser acolhidas por uma equipe multiprofissional, diversa e qualificada.

Inaugurada em março de 2023, a Sala Lilás já realizou quase 200 atendimentos relacionados a feminicídio, violência doméstica, psicológica, patrimonial, violência obstétrica, assédio moral, sexual, estupro, racismo, entre outras violências, tais como a revitimização.

Segundo relatório anual da CDDM/ALERJ, entre as mulheres atendidas nesta comissão, 60% são negras. Tal dado corrobora com as pesquisas que apontam as mulheres negras como aquelas que mais são vítimas de feminicídio, de violência doméstica e violência sexual.

O encaminhamento das vítimas para os equipamentos públicos de atendimento; para Defensoria Pública Estadual; para as organizações não governamentais que oferecem atendimento psicológico, entre outros serviços, são parte de uma estratégia de acolhimento que passa sobretudo pela escuta das mulheres. Compor uma Mandata que acolhe verdadeiramente as mulheres é uma responsabilidade que vai para além da institucionalidade, é se reconhecer em cada relato, é ser atravessada pelas dores das outras, mas é, principalmente, se referenciar na coragem e resistência de cada mulher que sobrevive.

Escrevo este artigo na manhã de domingo, 24/03, dia em que se revelaram os mandantes do assassinato de Marielle e Anderson. O feminicídio político de Marielle contou com a participação de agentes do Estado, do chefe da Polícia Civil. Para nós mulheres acreditar nas instituições de polícia e justiça se torna ainda mais difícil, a violência que sofremos, do assédio num momento do dia a dia ao assassinato, é legitimada por uma estrutura de Estado machista, racista e misógina.

Nesse contexto, o trabalho de acolhimento de mulheres vítimas de violência se torna ainda mais relevante. Nós, juntas, ocupando os espaços e produzindo espaços de resistência, de cuidado, de luta por nossos direitos e nossas vidas! Por isso seguimos de pé no parlamento, nas ruas e nas lutas. É pela vida das mulheres!

*Renata Lira é advogada, doutoranda na UFF, mulher preta, mãe do Valentin, militante da pauta dos Direitos Humanos e da defesa dos Direitos das Mulheres e foi coordenadora Comissão  da Mulher da Alerj.

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.